quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Dar baixa.


"You were only waiting for this moment to be free
Take these broken wings and learn to fly..."
[The Beatles]

Só vim à superfície para dar baixa no meu alistamento neste rebanho. Para exigir que decidam: ou destituam o nome da Humanidade (porque das prerrogativas do seu significado já o foram), ou troquem, em minha certidão, a raça a qual insistem em dizer que eu pertenço. Que me dêem qualquer outra raça, que seja da lua, de pássaro ou de mar, menos humana.

É preciso deixar o fel da amargura curtir na cachaça da insensatez. Quem sabe assim, os sabores amargos se misturam na remota possibilidade de se anular?! Os perdidos em suas grandiosidades gestacionadas nas fragilidades de suas incoerências que se lambuzem da falta de escrúpulos. Que somente eles colham o que plantaram na infertilidade de campos rachados.

"Bendita a espécie extinta, a que voltou repôs a sua origem e não peregrina mais. Benditos todos que no cativeiro, por ânsia de eternidade, multiplicam-se. Bendito o modo como tudo é feito. Ancestrais, luxuoso nome para quem apenas errou antes de nós. Benditos."
[Adélia Prado]

O silêncio que faço não é significante perto do barulho de seus passos, vozes, gritos e liberdades. Meu prazer é não saber quem sou eu em seu meio. Sem jamais identificar-me com as escórias, fico longe de suas escoriações. Passo sem ser pertencente ou pertencida. E não porque sou algo de maior proporção, apenas não possuo capacidade de me alargar nestas dimensões. Por incapacidade digo e repito: Sou Inumana.

E, ainda mais, me vejo nua das investiduras de ser humana. Assim como das mordaças de me ver integrada nesta imensa discrepância de sentidos, das suas significâncias e de seus produtos. Antes, pertenço a outra ordem, me encontro plantada em outro solo. Enraizada em outras instâncias. Como se eu fosse plantada na temporalidade das flores, regada pela insistente força da chuva e, ao secar, ficasse refestelada à pungência do Sol; da capacidade de inconstância do Mar, e cheia de fases de Lua.



"e tudo quanto fique aquém desse aterrorizador espetáculo, tudo quanto seja menos sobressaltante, menos terrificante, menos louco, menos delirante, menos contagiante, não é arte. Esse resto é falsificação. Esse resto é humano - (...) - tenhamos um mundo que produza êxtase e não peidos secos."

[Henry Miller]


(imagem: Anne-Julie Aubry)

4 comentários:

Anônimo disse...

Alguns fantasmas voltaram nesse devaneio que traz blackbird como epígrafe. A música é um tanto quanto mal-assombrada na minha vida. Algo que de vez em quando aparece e causa uma noite ainda menos dormida. Acho que hoje vai ser assim...

Thalita Yanahe disse...

Um texto que pinta a mente de branco
de tanta clareza dos fatos
e inunda a gente que tanto tentamos humanizar tudo. Você fez o contrário e floresceu "blackbird take these broken eyes and learn to see"

Clarissa disse...

"É preciso deixar o fel da amargura curtir na cachaça da insensatez. Quem sabe assim, os sabores amargos se misturam na remota possibilidade de se anular?!"
Perfeito!!!

Mil beijos...

Cabelos!

Bianca B. disse...

Não sei onde te encontrei, mas achei o blog de um bom gosto incrível e os textos lindos de doer!