Desejo que recebas esta minha confidência em paz e que tudo o que vier
de mim não lhe seja causa de entristecimento ou desordem, não é meu desejo
tornar o Amor triste, por mais que exista beleza nesse tipo de tristeza.
Desejo que recebas esta devotada confissão, e que assim me tenhas,
remida de minhas descrenças, arrependida de minha indolência, em uma saudade,
antes escondida, que é querença eterna por você, Amor.
Mesmo que eu me enxergue inumana, peço que me perdoe também por não
fugir à regra de todos aqueles de quem descendi: abusar do sentimento é coisa
própria de todo ser humano. Então, Amor, coisa única tenho a lhe pedir neste
meu regresso: Não ouses subtrair minhas ilusões, elas são mais valiosas que meu
pescoço e, sem elas, tudo se tornaria insuportavelmente pesado no
caminho. Cuide de minhas ilusões, as transmute. De resto, Amor meu, me subtraia
tudo, tornando sem importância tudo o que não lhe envolve ou engloba, tudo o
que não lhe é próprio. Renegando toda dor que não seja a sua, a do Amor.
Entenda que este meu modo quase violento de confidenciar é intrínseco na
coragem de existir que sua aparição trouxe ao meu corpo, antes exilado. E, por
falar em corpo, quero que saiba que tudo em mim é avesso a superficialidade,
antes, toda palavra dita é raiz.
Posto isto, Amor meu, não há mais reserva. Sendo assim, eu, já única
inumana e sem ressalvas, copulo os teus desejos, como quem se atenta a
emprenhar das tuas sedes. Amor, anseio-te como que numa fusão de peles, num
sacramentar-te, numa ambição de te conceber inteiro, como se houvesse
resistência suficiente em minhas carnes para ter-te. Sendo assim, Amor, peço-te
que me dê a saber de ti em doses, que me desvele seus zelos, e que permitas
sorver-me de ti, em todas as instâncias possíveis: Corpo, Carne, Espírito, a
Alma do Amor.
Em se tratando de você, Amor, não há eternidade que dure o suficiente
para que não se deseje o fim. E este sendo apenas uma marca de tempo, uma
referência, uma parte do ciclo, mas jamais um limite. Que os ciclos nos
perdurem, e que, por amor do Amor, sejam eternamente findos. Só assim nos
teremos na liberdade do instante, na visceralidade do agora e na veemência de
uma sinceridade estupefata.
A saber, Amor, que possuo correndo por minhas veias um rubro-mar. Meu
sangue violenta-me constantemente, causando as diversas ressacas. Já as tuas
letras, há algum tempo, têm se tornado um porto de onde admiro o fervilhar das
minhas ondas de dentro. Como se, com elas, alcançasse as anatomias do meu corpo
metafísico e bulisse da forma mais prazeirosa existente todas as minhas carnes.
Me exercito no gozo que é ser afetada por sua escrita, como se estivesses tatuando,
em lambidas cicatrizantes, cheirando, comendo e compondo em meus poros. Tomo
todas as suas letras para mim, esta é a minha ilusão de agora.
Amo você, em meu amor.
Talvez, no momento em que esta carta chegue a ti, tenhas ido semear
outras nuvens com o teu sentido. Sempre haverá a possibilidade de tudo e
qualquer coisa desvanecer, menos as nossas palavras. Daquilo que eu lhe disse,
a palavra se deitou em sua existência e estabeleceu suas emoções ali. Das
várias palavras que me gorjeastes, plantastes em mim um trinado próprio, único
e inconfundível. Sempre me recordarei das alturas que nossas asas atingiram.