quinta-feira, 16 de maio de 2013

Por isso estamos quem somos...

... e seremos quem buscarmos ser.

Apoiar-se em imagens passadas por qual motivo?! Se hoje já não somos mais o ontem, e transpor os dias passa ser uma forma de evolução?! O hoje, evolução do ontem, é a novidade pasmante não preparada. É o preconceito dos dias, o diferente e o não comum agradável e acostumadamente conhecido.

No ontem conhecíamos as próprias reações e tolerâncias, no hoje - assustada evolução - já não sabemos sitiar os sentimentos, descuidamos as letras, está instalada desordem. Se ontem existia insatisfação em ser, era a insatisfação conhecida, esperada e aprendida. Agora buscaremos conhecer o descontentamento desse hoje - desconhecido. 

por não respeitar o anúncio de sua evolução, assistiu a première da película que enunciava a rasgadura do esboço de quem era..."

O homem é uma flor que não odoriza constantemente, antes disso, para ser inteiro convive com seus momentos de beleza e de estranheza, sempre se oferecendo, distribuindo sua constante evolução em dias. Como pétalas desgrenhadas, de letras tortas, de cabelos alvoroçados. Pois a haste florida também é quebradiça e espinhenta. 

Ficamos rezando por novas interpretações de antigas canções. Sem dar espaço às harmonias novas, ou à outras formas de compasso. Absurdo não estarmos acostumados a amanhecer, sendo que um dia só se vai para dar lugar a outro. E talvez por essa necessidade de passado, exista apenas um hoje para tantos ontem. 



a viagem acontece quando acordamos fora do corpo, longe do último lugar onde podemos ter casa (...) a viagem termina quando encerramos as nossas fronteiras interiores. Regressamos a nós, não a um lugar... " Mia Couto.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Lírica Bahia


A poética visão sobre o estado em que estive.
(para ser lido ouvindo "Céu da Bahia" - link no final do texto)

Prenunciação. Eu sabia minha Bahia, de onde vim antes de estar em ti. Pisei pedra, Pelourinho, e senti os pés negros rachados que não são meus, antes, daqueles que vieram cultivar entre todas as rachaduras, o muito do algum colorido dos nossos dias.


Estado verídico, onde as inverdades ou se ocupam, ou se profissionalizam em certezas. Me reconheci em deslumbre, pasma por saber tão ludicamente quem eu era naquele lugar, ou quem era aquele lugar em mim antes de reconhecer a história nele, minha estória. 

Ah, Bahia, és alto conhecimento que de cima de tua cidade-elevador enfeitei o começo do meu ser, humano de fitas coloridas alçando voos acorrentados aos laços do Bomfim. 


Reaprendi que como lá, sou a pobreza e seu anverso, convivendo o concavo-convexo em um mesmo objeto-corpo. Redescobri que como essa terra, serei abençoada no dia em que conviver com a dualidade de virtudes e mazelas. 

Descobri que sou feita das quebra-pedras que já não têm mais chance de viver rasteiras nos paralelepípedos dessas ladeiras, de tanta gente e gente que agora passa e repassa, só pela graça de ir e vir, apenas com o prazer de dançar peregrinando em adoração. Por isso arranjei outro canto para me germinar e, enquanto dessa gente for, minha terra fica aqui remexida, com saudades de casa e de pedra.

Venerando o Corpo Místico da Bahia que nos dá a grandeza de ainda se pertencer - corpo formado por tantos Jorges (alguns Amados) e todos os velhos e Novos Baianos - alma reverencia saudade da Bahia.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Vírgula, Pausa.



Enquanto os créditos do filme se anunciam, é inevitável perceber o arrepio da derme. Um trago prevendo a intenção de tragar o mundo, mas ele não pode ser absorvido –  esvazio os pulmões de algumas vozes. Questiono se é só isso que existe: encher, reter até o limite e esvaziar-se por incapacidade. Encher e inflar atordoa e entorpece. Colecionar o silêncio das pausas da melodia que precede o enredo. Gloriosa pausa entre o comum e o rotineiro. O encher e o esvaziar-se das cinzas e das marcas de café de todos os dias. O semblante meio vivo de todos os dias. A espera, expectativa e o aguardar pelo melhor de todos os dias, um otimismo.  E a corrente de ar que este movimento faz é a dignidade que aniquila o fogo, ou qualquer incêndio. E o vento no sentido contrário é a tentativa de fazer a brasa reacender. A tentativa de projetar a mudança de direção da próxima frase é a expectativa de gerar um fluxo mais satisfatório. No meio do percurso é quase necessário apagar algumas vidas, mudar o tempo de alguns sinais. Não por acaso, apenas para perpetuar a dúvida de que se o que gera a mudança é o que sobra ou a incapacidade de visualizar a paisagem de outra maneira.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Escritor é Profissão

Escritor é profissão
Talvez isso mereça 
um exclama 
ou interrogação?!
Talvez apenas um ponto.
E todo o conto da precisão


Tem quem ache que para ser escritor, basta nascer sendo. E, assim, sentar e aguardar o belo dia da florescência para as vicissitudes da escrita. (E que escritor usa algo como "vicissitudes"? Palavra feia é perdição!)

Tem quem ache que é bonito escrever, como tem escrita que é bonita e, posto isso, escritor bastou ser. Da mesma forma, tem quem afirme que escritor é profissão. E eu daqui sigo procurando onde se ensine ser escritor. Talvez este curso exista naquela mesma escola que se aplica aos estudos para ser humano. Talvez.

Escritor pra mim é bicho. Taciturno, inquieto. É bicho que não cabe em quase nada, e se refastela quando consegue fazer conter a ideia dentro de sentido único (mesmo quando está cansado de saber que sentido único só o da rua onde mora. Na língua isso não cabe!) Mas, ô bicho teimoso é esse tal! Escritor, para mim, é bicho ininterrupto, não consegue parar de viver. É como bola de gude ladeira abaixo. E, mesmo diante de toda a sua finda liberdade circular, vai tecendo suas vírgulas-lombadas, seus pontos de apoio, suas esquinas de parágrafos.

E, apesar disso, tem quem ache que o bicho-escritor é aquele que tem nome de gente que não consegue esperar a vida acontecer para experimentar, o bicho cria. Assim como os do contra precisam achar que o bicho-com-nome-de-gente não consegue guardar segredo da viciante verborragia que tem correndo nas veias. E sai dando a quem tiver olhos e mãos para comer.

É todo o achismo do mundo para alguém que, em algum lugar do caminho, só aprendeu a digerir pensamentos em palavras. 

E, por ter a impressão de que nunca vou conseguir me encaixar em qualquer uma destas alternativas, eu desisti de achar que sou e fui sendo apenas bicho.


Nesse dia que alguém instituiu como dia do escritor, me livro da vontade de percorrer nomes ou listas enfadonhas, não posso cometer o sacrilégio de citar os mestres que todos sabemos que são. De forma igual vou quitar dívida inexistente com aqueles que nem sonham ser, mas são meus escritores prediletos. 

A todos estes (aos quais devo uma vida de conectores pulsando em minha mente), meu muito obrigada pelo mundo sobre-humano que percorre a história de toda gente.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Carta ao Amor


Desejo que recebas esta minha confidência em paz e que tudo o que vier de mim não lhe seja causa de entristecimento ou desordem, não é meu desejo tornar o Amor triste, por mais que exista beleza nesse tipo de tristeza.

Desejo que recebas esta devotada confissão, e que assim me tenhas, remida de minhas descrenças, arrependida de minha indolência, em uma saudade, antes escondida, que é querença eterna por você, Amor.

Mesmo que eu me enxergue inumana, peço que me perdoe também por não fugir à regra de todos aqueles de quem descendi: abusar do sentimento é coisa própria de todo ser humano. Então, Amor, coisa única tenho a lhe pedir neste meu regresso: Não ouses subtrair minhas ilusões, elas são mais valiosas que meu pescoço e, sem elas, tudo se tornaria  insuportavelmente pesado no caminho. Cuide de minhas ilusões, as transmute. De resto, Amor meu, me subtraia tudo, tornando sem importância tudo o que não lhe envolve ou engloba, tudo o que não lhe é próprio. Renegando toda dor que não seja a sua, a do Amor.

Entenda que este meu modo quase violento de confidenciar é intrínseco na coragem de existir que sua aparição trouxe ao meu corpo, antes exilado. E, por falar em corpo, quero que saiba que tudo em mim é avesso a superficialidade, antes, toda palavra dita é raiz.

Posto isto, Amor meu, não há mais reserva. Sendo assim, eu, já única inumana e sem ressalvas, copulo os teus desejos, como quem se atenta a emprenhar das tuas sedes. Amor, anseio-te como que numa fusão de peles, num sacramentar-te, numa ambição de te conceber inteiro, como se houvesse resistência suficiente em minhas carnes para ter-te. Sendo assim, Amor, peço-te que me dê a saber de ti em doses, que me desvele seus zelos, e que permitas sorver-me de ti, em todas as instâncias possíveis: Corpo, Carne, Espírito, a Alma do Amor.

Em se tratando de você, Amor, não há eternidade que dure o suficiente para que não se deseje o fim. E este sendo apenas uma marca de tempo, uma referência, uma parte do ciclo, mas jamais um limite. Que os ciclos nos perdurem, e que, por amor do Amor, sejam eternamente findos. Só assim nos teremos na liberdade do instante, na visceralidade do agora e na veemência de uma sinceridade estupefata.

A saber, Amor, que possuo correndo por minhas veias um rubro-mar. Meu sangue violenta-me constantemente, causando as diversas ressacas. Já as tuas letras, há algum tempo, têm se tornado um porto de onde admiro o fervilhar das minhas ondas de dentro. Como se, com elas, alcançasse as anatomias do meu corpo metafísico e bulisse da forma mais prazeirosa existente todas as minhas carnes. Me exercito no gozo que é ser afetada por sua escrita, como se estivesses tatuando, em lambidas cicatrizantes, cheirando, comendo e compondo em meus poros. Tomo todas as suas letras para mim, esta é a minha ilusão de agora.

Amo você, em meu amor.

Talvez, no momento em que esta carta chegue a ti, tenhas ido semear outras nuvens com o teu sentido. Sempre haverá a possibilidade de tudo e qualquer coisa desvanecer, menos as nossas palavras. Daquilo que eu lhe disse, a palavra se deitou em sua existência e estabeleceu suas emoções ali. Das várias palavras que me gorjeastes, plantastes em mim um trinado próprio, único e inconfundível. Sempre me recordarei das alturas que nossas asas atingiram.

domingo, 29 de janeiro de 2012

quando nada é o mesmo que tudo

Ninguém poderia ter em prática o quanto de peso ele carregava sobre a cabeça. Fazer um humano saber o que lhe passava nas instâncias internas seria sobrepujar todo o resto, mais um tremendo desassossego seria. Porém, em meio às entorpecências de uma alma arraigada em dor de miséria, passava-lhe pela cabeça emplastar cartazes pelos postes dessa cidade em ruínas, explicitando toda a morte de sentimentos que trazia consigo, mesmo que fosse uma tentativa frustrada de arrancar o negro do coração e deixá-lo nestas torres de urina e lodo, ilustres decorações de luz deste estado de província. Mas, em alguma ramificação de dentro, ele sabia que este gesto de desejo seria em vão, e que sua guerra seria também manchada pela falta de compreensão alheia, então, resolvidamente sábio, manteve-se em inércia. Sua loucura era sua propriedade, seu único tesouro.

A ascendência daquele menino-incabível não vinha de vida humana, seu corpo franzino veio do lóculo mundano do Universo. Ele foi parido em conjunto com as sujeiras e as estrelas, sem haver quem tivesse braço para lhe acalentar no primo-choro. E do mesmo modo em suas quedas. E de cascas formadas e feridas saradas descobriu que a vida era feito rua em dia de chuva: quase nula de gente, fria, suja e escorrida em água turva. A vida lhe era escorrida sim, e, por mais que ele desejasse com veemência, ela não cessava de correr por sua fina existência. E enquanto os dias cresciam, pensava em quanto de mundo existia nos corpos daqueles que eram despercebidos. Mesmo quando faltavam as forças do entendimento, lhe era intuitivo que o não revelado seria a única verdade da existência. E se estabeleceu aí o seu embate mais doloroso, descobrir mesmo sem desejar, o que não estava desvelado.

A alma daquele homem-objeto era um tesouro de moedas de ferro escuro, fundido nas chamas advindas dos meios das pernas, das moças que se criavam nos postes de antes protestos, inveteradas naquele mesmo odor que predomina nas cidadelas antigas. Seu baú de recônditos era o prostituir-se na obtenção das migalhas que descuidadas caíam da mesa opulenta do amor daqueles corpos. Esta foi toda a instrução que o mundo lhe fincou: o amor era a inexistência de dor em meio ao emaranhado – doloroso – de – ser – no – outro – alguma – vida – que – já – não – era – mais – sua. E tudo ia assim, sem vírgula, sem ponto, sem respiração. O amor era um gole seco de qualquer líquido, que só dava a impressão que lhe saciava, mas, quanto mais amor, mais sede. Era tudo sem nexo, e, em todas as vezes, era igual nesta rasgadela de sentidos lingüísticos que lhe entranhavam a mente e todo o resto. Foi quando o desditoso homem assentiu que o amor sempre lhe deixava a desejar o mais que não existia, porque o amor quando se revela assim é para acabar.

Fora existia tanta dor quanto dentro, e as grades do corpo eram o objeto limítrofe entre uma miséria e outra. E, enquanto o vento balançasse as pontas soltas dos laços presos, o homem poderia vislumbrar a hipótese de alguma beleza no que é oposto a ela. E, ainda assim, ele sabia que havia chegado o dia de libertar os laços que enfeitavam as grades da cela, grades de aço-falso da janela que dava vista à avenida de fora. Era a necessidade de se desvencilhar da fantasia e assimilar a facticidade da dor de pertencer a nada, e, mesmo assim, conter o tudo pungente, ácido e corrosivo do entendimento da própria existência apesar de. Em uma sádica piada, em uma máxima desalmada: o tudo que ele era, repuxava o nada habitado da sua entidade.


quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

celebrar sua vida após a nossa morte

Vislumbrastes o romper do véu celeste. Não foi você quem morreu, fomos nós. E é por tudo isso que poderia ser e não foi que choramos. Todas as desventuras que poderiam vir, não mais estarão. De qualquer intempérie estamos resguardadas. Porém, também estaremos privadas de mais olhares, algumas outras risadas e apelidos que a reproduzida irmandade nos impunha. Não mais nos reconheceremos uma no físico da outra. Eu sinto uma saudade perene daquilo que seríamos, do “nós” no futuro. No elo do cotidiano de além dor.

Muito antes da sua vinda, a extinção nos brinda com sua série de pedidos de desculpas. Velando o deixar-se ir com os seus sinais, desvelando nossos olhos para alguns motivos plausíveis. Muito antes de a ausência acontecer, estávamos quase convencidos (não apaziguados) de que era assim que deveria ser. Em alguns momentos, chegamos a imaginar que vivíamos em ciclos também povoados de sofrimentos, terminando uns, iniciando outros.

Há libertação em exteriorizar que tudo está como deveria ser. Hoje, a saudade é maior que hipóteses dolorosas. Não há pena, há a ciência de que se estabeleceu uma luta até o seu maior grau e, ao final, saímos vitoriosas. No intervalo, nos ocupamos em perceber que a dor é justamente porque sempre haverá dois lados, um que vive e outro que se deixa ir.

Celebro os teus dias de nascida, o da partida eu já não lembro.

Com o coração, eu te agradeço.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

sempre nunca cabendo

Ele foi um menino que nunca coube. E, por este motivo, o vazio sempre o teve. As prateleiras não lhe eram bastante, nem os livros que elas guardavam, mas algo naquele mofo lhe era inverno. Ele entendia as palavras, mas sabia que nexo faltava no conjunto delas, nunca deu ouvidos. Vivia silencioso.

E foi crescendo assim: cheio de nada e vazio de tudo. Um grande problema de humanidade, ou de falta de qualquer semelhança com isto.

As situações cotidianas, ou aquilo que chamava de realidade, pesavam em seu espírito como algo que não fosse desse mundo. Em determinado instante, ele absorvia aquele peso como uma maldição: fechava suas portas, janelas e vidraças, esperando que nada mais o pesasse. Já bastava, já lhe era duro permanecer assim, não queria mais. Sentia-se também injustiçado, ínfimo, maldizente de si próprio. Era um pequeno no mundo de grandes ainda tão maiores que o seu corpo físico. De maneira alguma conseguia entender o peso de sua vida.

alma na calma. E peso em todo o resto. Menino-já-grande, se apropriou de certa musculatura com os halteres que seu espírito o obrigava a carregar. E, de vislumbramento em vislumbramento, pode apreender a obtenção de uma certa calma no ato de assimilar o refutar das semânticas. Ele tentava adestrar seu espírito tragando o mundo. Que seguia rasgando por suas vias até aceitar que este mundo não pode ser absorvido, só assim esvaziava os pulmões das vozes que as palavras geravam por dentro.

E, a essa altura da existência, se alguém pudesse ser ouvido, e, se algo pudesse ser aconselhável, ele diria que um momento de paz pode ser conquistado quando se consegue aceitar a própria humanidade, no mesmo tempo e medida que se deveria acreditar na falta de humanidade em todo o resto. Mas um conselho desses também não cabe.


domingo, 15 de janeiro de 2012

l'anatomie

O peito povoado de mulher, se deu escuro de tanta noite.
As veias vermelho-sangue tecem raízes por onde passam,
Procuram um grosso calibre, à afoiteza do destino.

Às vezes, quando se dispõe, ilude encontrar semelhança em estranhos;
E os quer revelar e tocar, mastigar seria o êxtase, eles são o alimento;
E saem rasgando a mucosa até chegar no calor do seu peito.

Suas palavras são decor, escritas em sons de dedos premeditados.
Enganação é pensar que seu vazio é silencioso, antes, aturdia todo o oco em volta.
E, depois de tanto, declama com a fé de um coração que não sabe urdir!


sábado, 31 de dezembro de 2011

Magia em 2012

Seremos capazes de reiniciar nossas vidas, começando tudo do zero, em 2012?! Como se fossemos feitos de alguma outra matéria de que não existisse carne, sangue, espírito e mortalidade?! Somos seres mágicos ou tudo isso é parte integrante da imensa expectativa que sempre nos enredamos, na qual nos frustraremos nos primeiros dias, quiçá meses, do Novo Ano?!

Bem lá no fundo tenho esperança de que alguns de nós não levem tão a sério essa 'energia de simpatia' que permeia os últimos dias e horas de 2011. Já perdi em conta o número de pessoas que me desejou um "Feliz Ano Novo", assim como não conseguiria lembrar para escrever aqui os desejos de saúde, paz, amor, fé etc e tal. Fico achando mesmo que 2012 já vai chegar assustadíssimo e preocupado com tanta expectativa a se cumprir, coitado. Uma das pessoas que eu mal falei em 2011 e veio me cumprimentar, foi minha vizinha do 8º andar. Se eu ainda não resguardasse um pouco de educação, teria respondido a ela após as felicitações: "Como é que meu ano poderá ser tão bom se a senhora vai continuar correndo para fechar a porta do elevador, não tendo trabalho de gentileza em esperar minha corrida apressada em direção ao mesmo?". Do que adianta a tentativa vazia de ser politicamente correto hoje, se no próximo ano (a partir de amanhã), tudo continuará igual? Possivelmente incubados em nosso egoísmo de cada dia, nos fartando dele em todas as nossas refeições.

Não vou desejar feliz nada novo. A ninguém.

Tudo o que existe não é novo. O próximo ano será inédito apenas no numeral, mas iniciará seus trabalhos carregando em si tudo o que já somos e fazemos. A semeadura aconteceu em algum momento que passou. No máximo e com grande esforço (não vou mentir), o novo ano será apenas uma colheita. Não somos seres mágicos, não poderemos nos transformar em fadas da bondade e do sucesso a partir da meia noite de hoje. O que podemos conseguir em 2012 (e para isso sim eu lhe desejo força), é que nos dediquemos a ser o resultado daquilo que já se iniciou em nós. Resultado da evolução sem imposições esdrúxulas; de uma evolução voluntária ou necessária, que já se iniciou em algum momento de 2011 (ou antes!). Evoluir é daquelas ações pouco espalhafatosas e muito trabalhosas, daquilo que só os íntimos veem acontecer.

Desejo que não haja espera em 2012, quase toda espera é vazia, não criemos mais vazios. Sejamos o 2012 que começou antes, gestacionado por nós mesmos, mulheres e homens. Desejo ainda que não nos fiemos nos 'impossíveis', que eles não sejam motivo de frustração. E se algum 'impossível' vier acontecer, que o Acaso, o Universo e Deus carregue o peso deste mérito. A nós, mortais de vida dura, que nos sobre a gloriosa tarefa de colher o que foi regado por nosso suor. E que as lágrimas que verteram de nossas almas, escorram por nossa pele, transpassem o contorno das rochas sob os nossos pés, encontrando assim um solo e ali se refastelem. Que as lágrimas que de nós saíram, concebam que não pertencem mais a nós, seguindo assim o seu curso nesta terra, e que refresquem alguém que se encontre em outra parte do trajeto, que se unam ao elixir de outro ser humano e que encontrem o rio que dá a saciar a tantos e todos quanto. Porque a vida não é seccionada, ela é a parte única que se inicia no nascimento e estende-se além da morte.

Na água fomos gerados e contidos, nela batizados.
Retornaremos, em um curso natural, à corrente das águas vindouras.


Que os que acharam que fui pessimista em minha escrita, levem em consideração que a pessoa que dá vida a estas linhas sofre de uma coisa chamada realidade, e que acredita que o contrário dela nem sempre é o melhor subterfúgio para se viver. Os que discordam de mim também são contribuintes da minha matéria 'vida'.