domingo, 29 de janeiro de 2012

quando nada é o mesmo que tudo

Ninguém poderia ter em prática o quanto de peso ele carregava sobre a cabeça. Fazer um humano saber o que lhe passava nas instâncias internas seria sobrepujar todo o resto, mais um tremendo desassossego seria. Porém, em meio às entorpecências de uma alma arraigada em dor de miséria, passava-lhe pela cabeça emplastar cartazes pelos postes dessa cidade em ruínas, explicitando toda a morte de sentimentos que trazia consigo, mesmo que fosse uma tentativa frustrada de arrancar o negro do coração e deixá-lo nestas torres de urina e lodo, ilustres decorações de luz deste estado de província. Mas, em alguma ramificação de dentro, ele sabia que este gesto de desejo seria em vão, e que sua guerra seria também manchada pela falta de compreensão alheia, então, resolvidamente sábio, manteve-se em inércia. Sua loucura era sua propriedade, seu único tesouro.

A ascendência daquele menino-incabível não vinha de vida humana, seu corpo franzino veio do lóculo mundano do Universo. Ele foi parido em conjunto com as sujeiras e as estrelas, sem haver quem tivesse braço para lhe acalentar no primo-choro. E do mesmo modo em suas quedas. E de cascas formadas e feridas saradas descobriu que a vida era feito rua em dia de chuva: quase nula de gente, fria, suja e escorrida em água turva. A vida lhe era escorrida sim, e, por mais que ele desejasse com veemência, ela não cessava de correr por sua fina existência. E enquanto os dias cresciam, pensava em quanto de mundo existia nos corpos daqueles que eram despercebidos. Mesmo quando faltavam as forças do entendimento, lhe era intuitivo que o não revelado seria a única verdade da existência. E se estabeleceu aí o seu embate mais doloroso, descobrir mesmo sem desejar, o que não estava desvelado.

A alma daquele homem-objeto era um tesouro de moedas de ferro escuro, fundido nas chamas advindas dos meios das pernas, das moças que se criavam nos postes de antes protestos, inveteradas naquele mesmo odor que predomina nas cidadelas antigas. Seu baú de recônditos era o prostituir-se na obtenção das migalhas que descuidadas caíam da mesa opulenta do amor daqueles corpos. Esta foi toda a instrução que o mundo lhe fincou: o amor era a inexistência de dor em meio ao emaranhado – doloroso – de – ser – no – outro – alguma – vida – que – já – não – era – mais – sua. E tudo ia assim, sem vírgula, sem ponto, sem respiração. O amor era um gole seco de qualquer líquido, que só dava a impressão que lhe saciava, mas, quanto mais amor, mais sede. Era tudo sem nexo, e, em todas as vezes, era igual nesta rasgadela de sentidos lingüísticos que lhe entranhavam a mente e todo o resto. Foi quando o desditoso homem assentiu que o amor sempre lhe deixava a desejar o mais que não existia, porque o amor quando se revela assim é para acabar.

Fora existia tanta dor quanto dentro, e as grades do corpo eram o objeto limítrofe entre uma miséria e outra. E, enquanto o vento balançasse as pontas soltas dos laços presos, o homem poderia vislumbrar a hipótese de alguma beleza no que é oposto a ela. E, ainda assim, ele sabia que havia chegado o dia de libertar os laços que enfeitavam as grades da cela, grades de aço-falso da janela que dava vista à avenida de fora. Era a necessidade de se desvencilhar da fantasia e assimilar a facticidade da dor de pertencer a nada, e, mesmo assim, conter o tudo pungente, ácido e corrosivo do entendimento da própria existência apesar de. Em uma sádica piada, em uma máxima desalmada: o tudo que ele era, repuxava o nada habitado da sua entidade.


2 comentários:

Thalita Yanahe disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Thalita Yanahe disse...

"Caio no ópio como numa vala....
Fumar a vida convalesce e estiola..."
Eu que busco tanto este Oriente o encontro aqui em suas letras....gostei muito....Cubatão é Lisboa....cinzenta...rs