sábado, 2 de outubro de 2010

Invasão do Ar

Ao abrir as janelas, toda a casa está à mercê do vento. Ele percorre os cômodos sem aviso, sua permissão foi o abrir das janelas. Vento frio esvazia, e a sensação de calor se esvai. Ele expulsa o interior, vindo de fora traz consigo a desarrumação. O interior tem o seu gosto, a sua ordem, mas o vento não se importa. Simplesmente invade e quebra o vidro do retrato, faz barulho. O vento traz a agrura de um sentir desorientado. Um vira lata que, quando encontra permissão de entrar, quer a tudo cheirar e comer. A não importância e a não consciência. A agrura de um sentimento feito de ar: o vazio.

Ao fechar as janelas, o vento uiva por não poder entrar e se perfazer em artes de criança. Menino que faz birra.

Que julguem a falta de coragem, pois a preguiça em fazer a desarrumação é salvamento próprio. Para quem é feito de sentimento, (pele; e carne; e sentimento) interditar a aptidão para a sensação íntima de afeto é duro. Como se a abstenção em sentir o tornasse incapaz de experimentar de novo. Mas sentimentos feitos de ar não apetecem.

Sufocações à parte, em determinados momentos é preciso escolher entre ficar à janela dos seus sentidos e permitir as concessões andarilhas, ou conceder o acesso de suas fendas somente aquilo que o faz gozar do que é agudo e quente.

Para que abraçar apenas um instante e, com isso, perder a capacidade de delirar com o que é real?! E não há quem o julgue por pensar que a cura para as agruras dos sentimentos feitos de apenas um momento é desejar o que lhe é profundo e dotado de vontade! Ter todas as experiências, mas se alimentar da sua ordem; e se ela for mutante, não importa. É sua.

"só quem manda em mim eu é que sei" [Clarice Lispector]

da ilusão de se ter o controle, porque no frio eu fecho as janelas.

4 comentários:

Thalita Yanahe disse...

a fome cega o vira-lata
lealdade ao bife

Sônia Brandão disse...

É preciso abrir a embalagem para ver o que existe dentro. Talvez exista amor, talvez dor.

bj

ErikaH Azzevedo disse...

Um hino a coragem , um chamado ao sentir...a deixar o medo de lado, se expor, sentir tudo de bom e de ruim...assim que vejo teu texto, as frustações só nos serve pra que possamos aprender com elas, elas não querem de nós o medo, elas querem de nós a força de superá-las, mesmo que venham outras e mais outras e mais outras...vale mais é viver, e ter defesas contra os ataques da vida é decidir pelo sub-existir.

Minha amiga querida, eu li teu texto desde o dia que ele foi escrito e te juro, não estava conseguindo comentar....ele é profundo, forte, intenso...e me doeu um pouco, mas não importa , decidi não me anestesiar perante a nada nessa vida...

Te adoro viu!

Bjos

Erikah

ErikaH Azzevedo disse...

Eu queria muito que vc ouvisse uma musica:

Essa aqui..olha:

http://www.youtube.com/watch?v=-ujheEozG3U

Balançar
Mafalda Veiga
Pedes-me um tempo,
para balanço de vida.
Mas eu sou de letras,
não me sei dividir.
Para mim um balanço
é mesmo balançar,
balançar até dar balanço
e sair..
Pedes-me um sonho,
para fazer de chão.
Mas eu desses não tenho,
só dos de voar.
Agarras a minha mão
com a tua mão
e prendes-me a dizer
que me estás a salvar.
De quê?
De viver o perigo.
De quê?
De rasgar o peito.
Com o quê?
De morrer,
mas de que paixão?
De quê?
Se o que mata mais é não ver
o que a noite esconde
e não ter
nem sentir
o vento ardente
a soprar o coração...
Pedes o mundo
dentro das mãos fechadas
e o que cabe é pouco
mas é tudo o que tens.
Esqueces que às vezes,
quando falha o chão,
o salto é sem rede
e tens de abrir as mãos.
Pedes-me um sonho
para juntar os pedaços
mas nem tudo o que parte
se volta a colar.
E agarras a minha mão
com a tua mão e prendes-me
e dizes-me para te salvar.
De quê?
De viver o perigo.
De quê?
De rasgar o peito.
Com o quê?
De morrer,
mas de que paixão?
De quê?
Se o que mata mais é não ver
o que a noite esconde
e não ter
nem sentir
o vento ardente
a soprar o coração.