domingo, 14 de março de 2010

Dínamos.


“Hoje sinto orgulho em dizer que sou inumano, que não pertenço a homens e governos, que nada tenho a ver com a maquinaria rangente da humanidade – eu pertenço à terra! (…) Lado a lado com a espécie humana corre outra raça de seres, os inumanos, a raça de artistas que, incitados por desconhecidos impulsos, tomam a massa sem vida da humanidade e, pela febre e pelo fermento com que a impregnam, transformam a massa úmida em pão, e pão em vinho, e o vinho em canção. Do composto morto e da escória inerte criam uma canção que contagia. Vejo esta outra raça de indivíduos esquadrinhando o universo, virando tudo de cabeça pra baixo, e os pés sempre se movendo em sangue e lágrima, as mãos sempre vazias, sempre se estendendo na tentativa de agarrar o além, o deus inatingível: matando tudo ao seu alcance a fim de acalmar o monstro que lhe corrói as entranhas. (…) E tudo quanto fique aquém desse aterrorizador espetáculo, tudo quanto seja menos sobressaltante, menos terrificante, menos louco, menos delirante, menos contagiante, não é arte. Esse resto é falsificação. Esse resto é humano. Pertence a vida e à ausência de vida. (…) Se sou inumano é porque meu mundo transbordou de suas fronteiras humanas, porque ser humano parece uma coisa pobre, triste, miseravel, limitada pelos sentidos, restringidas pelas moralidades e pelos códigos, definida pelos lugares-comuns e ismos. (…) Tenhamos um mundo de homens e mulheres com dínamos entre as pernas, um mundo de fúria natural, de paixão, ação, drama, sonhos, loucuras, um mundo que produza êxtase e não peidos secos. (…) Que os mortos comam os mortos. Dancemos nós os vivos, à beira da cratera, uma última e agonizante dança. Mas que seja uma dança!”

(Henry Miller in O Trópico de Câncer)

2 comentários:

ErikaH Azzevedo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
ErikaH Azzevedo disse...

Sempre li a Anais mas o Henry li muito pouco até hj, esse texto é fantastico...eu ainda acredito no ser humano, mas sei que a humanidade no humano muitas vezes pouco existe. Lembro-me da música do Renato que diz " a humanidade é desumana"...o Henry sente isso e em demonstrar achar o humano uma caracteristica torpe. E faz isso qdo se se denomina inumano, mas ao mesmo tempo chama todos para o humano que ele acredita dever ser verdadeiro e prevalecer( o q é rico em intensidades no viver e mais ainda , em verdades)
Não foi a toa que a Anais se apaixonou por ele.


A parte que mais gostei foi:

(…) Tenhamos um mundo de homens e mulheres com dínamos entre as pernas, um mundo de fúria natural, de paixão, ação, drama, sonhos, loucuras, um mundo que produza êxtase e não peidos secos. (…) Que os mortos comam os mortos. Dancemos nós os vivos, à beira da cratera, uma última e agonizante dança. Mas que seja uma dança!”


Linda , linda, só por essa parte já valeria o texto todo.

Vontade imensa de copiar e sair mandando no orkut pra aqueles que eu sei sentir igual ao Henry, igual a vc e igual a mim....e olha, é incontrolável a vontade , e se quer saber, não vou mesmo resistir....hehehe

Adorei a partilha amora....obrigada por oportunizar essa leitura em tua companhia.

bjos

Erikah